Cláusulas de não concorrência em relações trabalhistas no Brasil: perspectivas do direito concorrencial e trabalhista
No dia 24 de abril deste ano, a Federal Trade Commission (FTC) divulgou norma proibindo cláusulas de não concorrência em contratos de trabalho nos Estados Unidos. A iniciativa já havia sido invocada pelo presidente Joe Biden desde a publicação da Executive Order on promoting competition in the American economy em 09 de julho de 2021. Em síntese, a norma tem por objetivo trazer mais dinamismo à economia norte-americana, além de fomento à inovação e melhores condições de remuneração aos trabalhadores, que representam os consumidores no país, além da fonte de novos negócios.
A questão trouxe ponderações relevantes nos Estados Unidos e em outras jurisdições. Esse artigo reflete como o instituto vem sendo tratado no Brasil.
Na perspectiva antitruste, os impactos das cláusulas de não concorrência para o trabalhador no mercado de trabalho ainda não foram tratados em lei ou em precedentes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), autoridade antitruste brasileira. As discussões detectadas até o momento são incidentais, e transitam os impactos de atos de concentração de empresas em seus trabalhadores, como é o caso das cláusulas de não aliciamento, que possuem escopo distinto das cláusulas de não-concorrência.
O CADE se pronunciou sobre a aplicação de cláusulas de não aliciamento em duas operações envolvendo aquisições de controle feitas pela Empresa de Serviços Hospitalares Ltda. (Grupo Edson Bueno): do Hospital Pró-Cardíaco (Ato de Concentração nº 08012.004902/2010-78) e do Hospital Samaritano (Ato de Concentração nº 08012.013200/2010-85).
O julgamento dos casos foi feito conjuntamente e, naquela oportunidade, o CADE entendeu que a restrição ao ingresso de empregados qualificados em negócios geridos por concorrentes cria assimetria nas condições de recrutamento e para empreender. Além disso, a restrição à liberdade do empregado de se recolocar no mercado partiria do equivocado entendimento de que a sua qualificação constituiria fundo de comércio. Com isso, o CADE restringiu as cláusulas de não aliciamento apenas aos empregados que tinham acesso a ativos intangíveis da empresa (segredos de negócio e informações sigilosas).
Sobre cláusulas de não-concorrência em contratos de trabalho, destaca-se uma tímida manifestação feita pelo CADE em sua contribuição à OCDE na elaboração do documento “Competition Issues in Labour Markets – Note by Brazil”. No documento, a autarquia pontuou que “[t]he non-compete clauses, though generally allowed, should be analyzed upon their potential to restrict the mobility in the relevant labor market. In Brazil, cases involving wage-fixing or non-soliciting agreements (also known as ‘no-poach agreements’), can be held as antitrust offenses under the Brazilian antitrust legislation”.
Com efeito, o guia de remédios antitruste do CADE, de 2018, dispõe que “[c]aso as Requerentes atraiam o pessoal-chave que faz parte do negócio a ser desinvestido, uma parte essencial do negócio fica comprometida, visto que o potencial competitivo do desinvestimento pode ser transferido de volta para as Requerentes”. Assim, o guia dispõe que “em alguns casos, há a necessidade de que as Requerentes abdiquem de direitos por meio de cláusulas não-concorrenciais previstas em contratos de trabalho com relação a seus empregados-chave”.
No Brasil, o debate sobre as cláusulas de não concorrência em contratos de trabalho aplicáveis a ex-funcionários foi sendo construído no decorrer de muitos anos, ganhando maior destaque na esfera trabalhista. O tema foi lapidado tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça (TST e STJ, respectivamente).
Ao longo do tempo, a jurisprudência brasileira consolidou que cláusulas de não concorrência em contratos de trabalho serão legítimas se atenderem quatro critérios específicos:
(i) limite temporal razoável;
(ii) limite geográfico limitado apenas ao mercado no qual o empregado trabalhou ou esteve envolvido em projetos relacionados a;
(iii) compensação financeira pós demissão específica para o empregado (em que pese seja pacífico o entendimento sobre a necessidade da indenização, há divergência quanto ao seu montante: se é mantido o salário recebido pelo cargo até então exercido, ou se é proporcional à limitação imposta ao ex-funcionário); e
(iv) especificação da atividade restrita (limitada àquela exercida pelo ex-funcionário junto ao empregado, e não abrange atividades que o empregador pretenda, no futuro, realizar).
Por outro lado, não há norma positivada no direito brasileiro que regule as cláusulas de não-concorrência. A CLT dispõe apenas que durante a vigência do contrato de trabalho não é admitido que o funcionário pratique ato de concorrência à empresa, sob pena de demissão por justa causa (artigo 482).
Como se pode ver, as cláusulas de não concorrência em contratos do trabalho no Brasil são utilizadas, porém estão sujeitas aos critérios determinados pela jurisprudência trabalhista. Sob a perspectiva de direito antitruste, o CADE ainda não conduziu uma análise sistêmica dos impactos desse tipo de cláusula no mercado de trabalho, muito embora o assunto não lhe seja estranho, tendo o interesse do trabalhador já prevalecido vis-a-vis ao da empresa, em sede de análise de cláusula de não aliciamento.
Embora ainda não exista a identificação de danos concretos impulsionados por cláusulas de não-concorrência ao mercado de trabalho brasileiro, entende-se que o CADE demonstra estar preparado e receptível para conduzir esse tipo de análise no futuro.