O que está atraindo a atenção do CADE no setor de saúde suplementar?
Notícias recentes apontam que a autoridade antitruste brasileira, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), está sendo pressionada por empresas do setor de saúde suplementar para analisar com cautela a fusão entre Sul América e Rede D’Or. A preocupação do CADE com esse setor, entretanto, não é recente.
Já em 2015, foi editada a primeira versão de um caderno que aborda as principais condutas anticompetitivas analisadas pelo CADE envolvendo o setor: tabelas de preço, cláusulas de unimilitância e condutas envolvendo cooperativas médicas. Em meados de 2018, um novo caderno se dedicou exclusivamente à análise das operações de fusão e aquisição apreciadas pelo CADE. Esses cadernos foram atualizados, recentemente, em dezembro de 2021 e janeiro de 2022.
Segundo o CADE, a atenção dada ao setor de saúde suplementar se dá pela importância social do segmento – o número de beneficiários de planos de saúde médico hospitalares era de mais de 47 milhões de beneficiários em 2020[1] e superou 49,4 milhões em 2022.[2] Além disso, trata-se de setor cujas peculiaridades podem exigir uma metodologia de análise específica.
Mais recentemente, casos envolvendo o setor de saúde suplementar passaram a ser um dos focos do CADE.
Entre maio e agosto de 2022, foram submetidas à apreciação do CADE 20 operações de fusão e aquisição, das quais 06 envolveram participações de mercado superiores a 20% nos respectivos segmentos de atuação das partes, com destaque para as seguintes:
- Fusão entre Sul América e Rede D’Or: trata-se de operação que tem gerado comentários da mídia mesmo antes de ter sido apresentada ao CADE, em junho deste ano. A operação encontra-se sob criteriosa análise da Superintendência-Geral do CADE, que, até o momento, emitiu ao menos 140 ofícios a administradoras de benefícios, operadoras de planos de saúde, clínicas e hospitais. Dentre as cerca de 100 respostas apresentadas, a maioria apontou preocupações em relação à operação, especialmente os 07 hospitais habilitados como terceiros interessados. Dentre as principais preocupações apontadas nos autos, mencionam-se:
- Risco de fechamento do mercado, dificultando o ingresso de novos players, e incentivando o movimento de verticalização pelos players já existentes;
- Possível descredenciamento por parte da SulAmérica de prestadores de serviços de saúde concorrentes da Rede D’Or;
- Desvio de demanda pela SulAmérica para a Rede D’Or dos procedimentos de maior valor agregado;
- Aumento do poder de barganha da SulAmérica de forma a viabilizar a adoção de práticas abusivas perante concorrentes da Rede D’Or;
- Assimetria de informações: Rede D’Or, Qualicorp e SulAmérica terão acesso aos dados de seus respectivos concorrentes; e
- Piora na qualidade de atendimento aos consumidores.
- Aquisição, pela Hapvida, da carteira de beneficiários da Plamed. A operação já havia sido notificada ao CADE em 2020. Em fevereiro de 2021, a autoridade antitruste aprovou a operação, condicionada à alienação de parte substancial da carteira de beneficiários de planos de saúde médico-hospitalares da Plamed em municípios da região de Aracaju (SE). No entanto, em novembro de 2021, o CADE atestou o descumprimento dos compromissos assumidos pelas partes. Segundo apurado pelo CADE, as partes não teriam apresentado o plano de desinvestimento tempestivamente, além de que o player escolhido para adquirir parte dos ativos da Plamed não foi considerado um rival efetivo. Assim, a operação foi reapresentada ao CADE em maio deste ano, com proposta de novo comprador. A operação encontra-se sob análise do Tribunal do CADE.
- Aquisição, pela Pague Menos, da Extrafarma: a operação foi aprovada em jun./2022 mediante a condição de que lojas em 08 municípios fossem alienadas em até 180 dias para a rede Bruno Farma.
As investigações por práticas anticompetitivas em andamento no CADE não têm relevado novos temas ou práticas resultantes da verticalização desde a primeira edição de seu caderno sobre o tema, em 2015, ou sua edição revisada de dez./2021. Dos 04 procedimentos em andamento, todos envolvendo conselhos regionais ou federais de profissionais da saúde (odontologia, farmácia e fisioterapia), abrangem as seguintes condutas, todas já analisadas em profundidade pelo CADE em ocasiões anteriores:
- Recusa na aceitação de cartão de descontos para serviços odontológicos;
- Tabela referencial de preços mínimos para serviços de fisioterapia;
- Restrições a profissionais para realizarem cursos à distância e exercerem sua atividade, se egressos de cursos à distância.
A inexistência de novos temas objeto de supostas práticas anticompetitivas pelo CADE, contudo, não descarta a preocupação de que a verticalização possa resultar na adoção de práticas ainda desconhecidas da autoridade antitruste. A título ilustrativo, o CADE ainda não se aprofundou na análise dos impactos da verticalização sobre outros segmentos industriais fornecedores de insumos para hospitais, clínicas especializadas e entidades prestadoras de serviços de medicina diagnóstica – como a indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares.
De todo modo, essas preocupações começam a ser apontadas para a autoridade antitruste por players do setor no contexto das análises das fusões e aquisições em andamento mencionadas acima. Na mesma linha, menciona-se o Projeto de Lei nº 3590/2021, que propõe alterar dispositivo da Lei Antitruste (Lei nº 12.529/2011) para contemplar como exemplo de infração à ordem econômica “a obtenção de posição dominante mediante integração vertical em saúde suplementar, nas situações em que haja interferência”.
Sabe-se que a mera concentração do setor ou a verticalização de operadoras de planos de saúde não são suficientes para justificar a intervenção governamental, seja para penalizar uma suposta prática anticompetitiva ou impedir que novas fusões e aquisições continuem acontecendo. Não obstante, a continuidade e o aprofundamento na avaliação dos possíveis efeitos positivos e negativos dessa dinâmica do setor de saúde suplementar é de suma importância para garantir a concorrência não somente entre os agentes do setor, mas também nas indústrias fornecedoras de insumos.
[1] Cadernos CADE. Atos de concentração no mercado de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica. Jan./2022.
[2] Fonte: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/abril-planos-de-assistencia-medica-totalizam-marca-de-49-4-milhoes-beneficiarios. Acesso em 05.09.2022.