
A regulamentação da pesquisa clínica com seres humanos no Brasil
Por Bernadete de Figueiredo Dias e Thais Amaral Fernandes
O Decreto nº 12.651/2025 (“Decreto”), publicado em 7 de outubro de 2025, regulamenta a Lei nº 14.874/2024 e inaugura uma nova era para a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil. Mais do que um avanço regulatório, ele traz diretrizes que fortalecem a ética, a transparência e a proteção dos participantes.
Dentre as principais novidades trazidas pelo Decreto, podemos citar a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, segmentado na Instância Nacional de Ética em Pesquisa (INEP) e na Instância de Análise Ética em Pesquisa, que é representada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs).
A segmentação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e a criação do INEP, foi um avanço importante para a normatização de diretrizes éticas, fiscalização dos CEPs, julgamento de recursos contra decisões dos CEPs, além de promover capacitação dos membros dos CEPs e boas práticas científicas. Essa estrutura centraliza decisões e garante maior uniformidade nos processos.
Neste contexto, o Decreto passou a classificar os CEPs em credenciados – instância para análise ética das pesquisas de risco baixo e moderado – ou acreditados – instância que, além de ter sido credenciada, tenha sido acreditada para análise ética das pesquisas de risco elevado e para análise das pesquisas de risco baixo e moderado. Essa diferenciação tem como objetivo assegurar maior rigor na análise de pesquisas de alta complexidade, alinhando-se a padrões internacionais de governança ética. Não obstante, é importante mencionar que o Decreto não trouxe os requisitos para credenciamento e/ou acreditação dos CEPs, o que dependerá de regulamentação complementar pelo INEP.
Com relação às pesquisas clínicas, o Decreto trouxe critérios multidimensionais para classificação do grau de risco, dentre eles: (i) a natureza da intervenção ou do procedimento adotado na pesquisa; (ii) o grau de invasividade e o potencial de dano ao participante de pesquisa; (iii) a população envolvida, com atenção a grupos em situação de vulnerabilidade; (iv) a existência de benefícios diretos da pesquisa ao participante e à coletividade, entre outros. Esses parâmetros, no entanto, ainda dependem de regulamentação complementar para detalhamento operacional.
Sobre o acompanhamento dos participantes após o estudo, o Decreto determina que o patrocinador, após o término do ensaio clínico, deverá garantir aos participantes da pesquisa o fornecimento gratuito do produto sob investigação sempre que este for considerado pelo pesquisador responsável como a melhor alternativa terapêutica para a condição clínica do participante, com base em evidências disponíveis e em avaliação favorável da relação risco-benefício, nos termos do disposto no art. 30 da Lei nº 14.874/2024. Essa medida reforça a continuidade do cuidado e a ética na pesquisa.
O plano de acompanhamento e assistência aos participantes de ensaio clínico descontinuado será regulamentado pelo INEP, nos termos do disposto no art. 57, § 1º, da Lei nº 14.874/2024.
O Decreto prevê a criação de uma plataforma eletrônica nacional para submissão e acompanhamento de projetos de pesquisa, com o objetivo de: (i) cadastrar as pesquisas realizadas no território nacional; (ii) possibilitar a tramitação transparente e prioritária dos processos, respeitadas as competências e a autonomia das instâncias regulatórias e éticas; (iii) adotar sistema único para peticionamento, submissão de documentos, avaliação e acompanhamento eletrônico dos processos relacionados a pesquisas com seres humanos; e (iv) manter base de dados pública, atualizada e acessível, sobre as pesquisas com seres humanos realizadas no País, observadas as normas aplicáveis à proteção de dados, entre outros.
Assim, a criação desse sistema garantirá maior rastreabilidade e transparência com relação aos estudos clínicos realizados no país, além de reduzir as burocracias atualmente existentes.
Por fim, uma regulamentação importante trazida pelo Decreto é a priorização de estudos estratégicos para o SUS, as quais terão sua análise ética concluída em até 15 dias, garantindo que terapias inovadoras cheguem à população de forma mais ágil e célere. Consideram-se pesquisas de interesse estratégico para o SUS aquelas destinadas ao atendimento de emergência pública de saúde declarada por autoridade sanitária competente e à regularização sanitária de medicamentos ou dispositivos médicos, em hipóteses definidas no art. 29 do Decreto.
A Lei nº 14.874/2024 trouxe uma base legal inédita para pesquisas clínicas no Brasil, garantindo segurança jurídica e alinhamento com tratados internacionais. O Decreto, por sua vez, operacionaliza essa estrutura, criando mecanismos práticos para governança ética, fiscalização e proteção dos participantes. Em conjunto, os instrumentos formam um arcabouço robusto que coloca o Brasil em sintonia com padrões globais de pesquisa clínica.
Com regras claras e processos mais ágeis, o Brasil se torna um ambiente mais seguro e atrativo para pesquisa clínica, beneficiando pacientes, pesquisadores e a indústria.
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