
Entrevista: Revista REFERÊNCIA BIOMAIS | Mercado de Carbono – Paula Chaccur
O Brasil já conta com o mercado de créditos de carbono. Por meio da lei número 15.042, de 11 de dezembro de 2024, foi instituído o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa) que ainda terá regulamentações mais específicas. O sistema regulamenta o mercado de carbono e contribui para o controle das emissões de GEE (gases de efeito estufa). Para entender o que isto representa, a Revista REFERÊNCIA BIOMAIS conversou com a advogada especialista no tema, Paula Chaccur, sócia do CGM Advogados, um escritório de advocacia full service, com expertise nas mais diversas áreas do direito empresarial que atende mais de 900 clientes. Com 20 anos de experiência em direito ambiental, Paula tem assessorado empresas nacionais e estrangeiras dos mais diversos segmentos da indústria, incluindo energia, agronegócio, químico, automotivo, papel e celulose, setor madeireiro e de bens de consumo.
O que representa a criação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa) criado pela lei número 15.042?
A criação do SBCE representa a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. O mercado de créditos de carbono nasceu como uma estratégia para controle das emissões de GEE (gases de efeito estufa), dentre os quais está o CO2 (gás carbônico), em razão da contribuição desses gases para o aquecimento do planeta. Uma tonelada de carbono que deixa de ser emitida, ou que seja retirada da atmosfera, após o devido processo de certificação, gera um certificado de crédito de carbono. A comercialização desses certificados é um mecanismo econômico que incentiva a descarbonização das atividades e fontes de emissão de GEE. O SBCE vem regulamentar esse mercado no Brasil, estabelecendo obrigações para empresas e atividades que emitirem acima de 10 mil toneladas de CO2 equivalente por ano.
Como está hoje o mercado de créditos de carbono do Brasil?
O Brasil já vem atuando no mercado voluntário de créditos de carbono desde a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, no âmbito do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). Foram desenvolvidos vários projetos de MDL no Brasil com a venda de créditos de carbono gerados aqui para países desenvolvidos que possuíam metas de redução de emissões. O período de apogeu do nosso mercado voluntário foi em 2008, quando os créditos de carbono chegaram a ser comercializados em leilões por quase € 20. Após um longo período de esmorecimento do mercado de carbono e queda no preço dos créditos, o mercado voluntário no Brasil ganhou certa tração no período pós-pandemia. A criação do mercado regulado era esperada pelo menos
desde 2021, ano em que foi apresentado o primeiro projeto de lei tratando do tema.
Este sistema contribui para ampliar o comércio de créditos de carbono no Brasil?
Certamente. O SBCE estabelecerá limites máximos de emissões de GEE por setores, trazendo obrigações que sujeitarão os operadores a penalidades. Com o estabelecimento de limites de emissões, os operadores regulados investirão em processos de descarbonização da sua produção. Aqueles que não conseguirem, ou optarem por seguir emitindo acima do teto, terão que compensar essa diferença comprando o direito de poluir dos operadores que tiverem mantido as suas emissões abaixo do teto. Esse sistema estimulará a demanda por créditos de carbono.
Qual expectativa com esse sistema?
A expectativa é a aceleração do processo de transição para uma economia de baixo carbono que, além de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, atrairá investimentos em projetos socioambientais e em inovação tecnológica, gerando benefícios econômicos e preservando o nosso capital natural.
As empresas estão preparadas para atuar com este sistema?
As empresas de maior porte, especialmente aquelas que atuam no mercado externo, já vêm fazendo os seus inventários de emissões de GEE há alguns anos e têm buscado a redução das emissões ao longo de sua cadeia de produção. Muitas, inclusive, assumiram metas voluntárias de descarbonização ao longo dos anos. Obviamente, com o advento da lei, passaremos por um período de assimilação e adaptação ao novo sistema. Muitas empresas precisarão de capacitação técnica para garantir compliance. O Brasil conta com consultorias técnicas e jurídicas com grande expertise nessa temática. Será importante que as empresas busquem uma boa orientação.
A nova lei produz que dificuldades para ser aplicada?
Uma dificuldade da lei é a sua complexidade. Vários aspectos ainda dependem de regulamentação. Além disso, a harmonização com outras iniciativas internacionais do mercado regulado poderá apresentar desafios, com destaque para a precificação do carbono.
Quais os principais benefícios que o mercado pode esperar?
Além do combate às mudanças climáticas, a estruturação do mercado de carbono evitará que o Brasil seja prejudicado por barreiras comerciais no mercado externo. Ainda, a estruturação do mercado doméstico de carbono contribuirá para o atingimento das metas de redução de GEE assumidas pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris. Outro benefício importante será o investimento em inovação tecnológica e a promoção da sustentabilidade.
A lei também aborda os projetos de REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal). Como vê essa situação? Acredita que haverá mais incentivo para projetos REDD+?
A inclusão de projetos de REDD+ no SBCE é estratégica para a conservação da Amazônia e outras áreas florestais no Brasil, além de proteger os interesses das
comunidades tradicionais (como povos indígenas e quilombolas) na geração dos créditos de carbono, estabelecendo regras que preservam os seus direitos e uma repartição justa de benefícios. A regulamentação dos projetos de REDD+ na lei trará mais segurança jurídica a essa modalidade de projeto, que atravessou, recentemente, uma crise reputacional, com questionamentos a respeito da metodologia dos projetos de carbono e, também, com as complexas questões fundiárias que a região amazônica apresenta. Espera-se que, diante do destaque dado aos projetos de REDD+ no SBCE, haja um fluxo financeiro relevante direcionado à proteção das nossas florestas.
O SBCE ainda será regulamentado. O que considera importante nesse processo de regulamentação?
É fundamental que esse arcabouço regulatório adicional garanta clareza e segurança jurídica ao sistema, definindo regras claras sobre os limites obrigatórios de emissões, sobre as metodologias aplicáveis para o monitoramento, relato e verificação, sobre as obrigações às quais estarão sujeitos os operadores e sobre a comercialização dos ativos. Também é importante que seja criado um sistema de governança eficiente e a definição de incentivos financeiros que atraiam empresas de diferentes portes e setores para a economia de baixo carbono. É importante, também, a participação ativa da sociedade civil nesse processo de regulamentação.
Quando acredita que haverá a aplicação da lei?
Estamos presenciando um momento de desaceleração dos processos de descarbonização por parte de alguns países, influenciados por questões geopolíticas e econômicas. Algumas companhias e instituições financeiras de grande relevância no mercado internacional estão revendo as suas estratégias climáticas e adiando suas metas de neutralidade de carbono, o que é bastante preocupante. A expectativa é que com a regulação do mercado no Brasil, o país avance na direção da descarbonização da economia, atraia investimentos e ganhe protagonismo na economia global de baixo carbono. É uma grande oportunidade que não podemos deixar passar.