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17 de outubro de 2024

FIAGRO: Regulamentação Definitiva é editada pela CVM

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou a Resolução CVM nº 214, de 30 de setembro de 2024 (“Resolução CVM 214”), que regulamenta especificamente e de forma definitiva as normas para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (“FIAGRO”). Essa medida faz parte da Agenda Regulatória CVM 2024 e é resultado do Edital de Consulta Pública SDM 03/2023, estando em linha com a Lei nº 14.130, de 29 de março de 2021, que criou o FIAGRO por meio de alteração à Lei 8.668, de 25 de junho de 1993 (“Lei 8.668/93”), a qual regula os fundos de investimento imobiliário (“FII”). A nova resolução revoga e substitui as disposições provisórias e experimentais da Resolução CVM nº 39, de 13 de julho de 2021 (“Resolução CVM 39”), que regiam o FIAGRO até então.

Com entrada em vigor para o dia 3 de março de 2025, a Resolução CVM 214 será incorporada como Anexo VI da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (“Resolução CVM 175”). Os FIAGRO que estejam em funcionamento na data de início da vigência do novo normativo terão até 30 de setembro de 2025 como prazo para adequação às novas normas. Com a edição deste Anexo VI, a CVM conclui a construção do novo marco regulatório para os fundos de investimentos brasileiros, estabelecido pela Resolução CVM 175, que é composta por uma parte geral aplicável a todos os fundos, complementada por anexos normativos específicos para cada categoria de fundo.

Dentre as principais características do novo FIAGRO, destacam-se:

I. FIAGRO “Multimercado”

Anteriormente, a Resolução CVM 39 havia segmentado e limitado o FIAGRO em três categorias distintas, sendo (i) FIAGRO-Direitos Creditórios (FIAGRO-FIDC), (ii) FIAGRO-Participações (FIAGRO-FIP), e (iii) FIAGRO-Imobiliário (FIAFRO-FII); que se baseava nas regras dos fundos de investimento imobiliários, com o acréscimo do investimento em CRA e LCA por esta última categoria. Essa estrutura limitava as estratégias de investimento dos FIAGRO à compra de ativos apenas da categoria na qual se enquadravam.

Com a edição da nova norma, cria-se o FIAGRO “Multimercado”, adotando políticas de investimento amplas e permitindo a exposição a diferentes fatores de risco. Dessa forma, por meio de uma mesma classe de cotas, os FIAGRO poderão investir em ativos de natureza diversa, desde que originados na cadeia agroindustrial e sem a necessidade de concentração de investimentos em nenhum ativo específico.

A participação nas cadeias produtivas do agronegócio pode ocorrer por meio da aquisição de todos os ativos listados no artigo 20-A da Lei nº 8.668/93, tais como: (a) direitos reais sobre imóveis rurais; (b) participações em sociedades (e.g., sociedades por ações ou limitadas) que explorem atividades integrantes das cadeias produtivas do agronegócio; (c) ativos financeiros, títulos de crédito e valores mobiliários emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio; (d) direitos creditórios do agronegócio e direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais; (e) certificados de recebíveis do agronegócio (“CRA”) e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio e certificados de recebíveis imobiliários (“CRI”), assim como outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios relativos a imóveis rurais; (f) certificados de recebíveis (“CR”) e outros títulos de securitização emitidos com lastro em ativos financeiros emitidos por pessoas naturais ou jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio; (g) cotas de classes que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos ativos referidos nos itens “a” a “f” acima, o que inclui cotas de outros FIAGRO, mas não se limita a essa categoria de fundos; (h) créditos de carbono do agronegócio; e (i) créditos de descarbonização (“CBIO”).

II. Aplicação de Normas Subsidiárias aos FIAGRO

No contexto do Edital de Consulta Pública SDM 03/2023, uma das principais discussões entre o mercado e a CVM foi sobre a aplicação subsidiária de outros anexos normativos para os FIAGRO com políticas de investimento semelhantes a outras categorias de fundos.

Como os FIAGRO Multimercado poderão investir simultaneamente em direitos reais sobre imóveis, créditos e participações societárias, tornou-se necessário definir qual norma deve prevalecer para garantir a consistência regulatória.

Anteriormente, a primeira minuta apresentada no âmbito do Edital de Consulta Pública SDM 03/2023 estabelecia um “gatilho” quando mais de um terço do patrimônio líquido do FIAGRO fosse investido em ativos de outra categoria, o que traria complexidades na estruturação e gestão dos fundos diante da observância de múltiplas normas.

Na versão final, a CVM manteve a proposta de aplicação subsidiária dos demais anexos normativos da Resolução CVM 175, mas estabeleceu um parâmetro de preponderância. Assim, a norma subsidiária será aplicável quando 50% ou mais do patrimônio líquido do FIAGRO for investido em ativos característicos de outra categoria de fundo, prevalecendo, em caso de conflito, as regras do Anexo VI que regulam os FIAGRO. Por exemplo, quando um FIAGRO “Multimercado” investir mais de 50% de seu patrimônio em ativos imobiliários, deverá seguir o previsto no Anexo III da Resolução CVM 175, que rege os FII.

Caso um ativo se enquadre em mais de uma categoria normativa, o regulamento do fundo deve definir expressamente qual norma será observada, garantindo maior clareza e previsibilidade ao mercado.

III. Créditos de Carbono do Agronegócio e Créditos de Descarbonização

Por meio da nova norma, os FIAGRO poderão adquirir créditos de descarbonização (CBIO), que são certificados representativos da redução ou remoção de dióxido de carbono ou gases de efeito estufa na atmosfera, emitidos e vendidos no mercado por produtores ou importadores de biocombustíveis no âmbito do programa RenovaBio (Lei nº 13.576/2017), e que funcionam dentro de um sistema de compensação.

Além disso, os FIAGRO passam a poder investir nos créditos de carbono do agronegócio, tanto negociando tais créditos como também sendo originadores por conta de imóveis rurais de sua carteira. Para assegurar a compreensão adequada, a CVM propôs uma definição específica para os Créditos de Carbono do Agronegócio, distinta àquela prevista no Anexo Normativo I dos Fundos de Investimentos Financeiros (“FIF”), que passam a ser definidos como “títulos representativos da efetiva redução da emissão ou da remoção de gases do efeito-estufa da atmosfera, nos termos da legislação e regulamentação específicas, originados no âmbito das atividades das cadeias produtivas do agronegócio”.

As principais diferenças são: (i) possibilidade de aquisição de créditos originados e negociados apenas no Brasil, ao contrário dos FIF, no qual os créditos podem ser originados e negociados no exterior, (ii) possibilidade de aquisição de créditos de carbono que sejam ativos não necessariamente equiparados a ativos financeiros, e (iii) maior flexibilização no controle, sem a obrigatoriedade de negociação, dos créditos de carbono do agronegócio em mercado regulado de emissões.

Ainda, considerando a inexistência de um mercado regulado de carbono no Brasil e os riscos do setor, conforme amplamente discutido no âmbito do Edital de Consulta Pública SDM 03/2023, a CVM criou dois mecanismos de governança para garantir a integridade dos créditos e a proteção aos cotistas, sendo eles:

  • o gestor do fundo deverá verificar a existência, integridade e titularidade dos ativos quando das diligências para sua aquisição, e
  • o regulamento do fundo deverá definir como o administrador do fundo controlará a titularidade dos créditos ao longo do funcionamento da classe de cotas, seja por meio de um prestador de serviço ou diretamente.

Além disso, a nova norma permite o investimento em créditos de carbono no mercado voluntário para fundos destinados ao público geral, ampliando o acesso que, inicialmente, na minuta do Edital de Consulta Pública SDM 03/2023, era restrito a investidores qualificados (investimentos superiores a R$1 milhão).

IV. Imóveis Rurais

A nova resolução ampliou a definição de “imóvel rural” para incluir:

  • imóveis com Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR,
  • imóveis localizados em perímetro urbano que sejam destinados à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio e possuam registro no Registro Geral de Imóveis – RGI, e
  • imóveis que possuam depósito de água não marinha, natural ou artificial, para utilização em atividades de piscicultura ou aquicultura, sem prejuízo da necessidade de estar inscrito no cadastro ou registro de imóveis competente.

Além disso, a resolução permite o investimento em “direitos reais sobre imóveis rurais”, como direito de superfície e usufruto, não se limitando apenas ao direito de propriedade. A nova definição de imóveis rurais entra em vigor em 1º de novembro de 2024.

V. Regime de Condomínio (Aberto e Fechado)

A Resolução CVM 214 esclareceu dúvidas importantes para o mercado em relação a constituição dos FIAGRO como condomínio aberto ou fechado, especialmente no contexto dos FIAGRO “Multimercado”.

Conforme abordado anteriormente, o regime de preponderância ocorre quando a classe de cotas do fundo investe mais de 50% do seu patrimônio líquido em ativos de outras categorias. Com base nisso:

  • Condomínio Aberto: FIAGRO com preponderância em ativos característicos de FIF e FIDC podem ser constituídos como condomínio aberto, permitindo resgate de cotas a qualquer momento, conforme o regulamento.
  • Condomínio Fechado: FIAGRO com preponderância em ativos de FIP, FII e outros fundos que sejam necessariamente condomínios fechados só podem ser constituídos nesse formato, não permitindo resgate de cotas antes do prazo, salvo exceções legais ou regulamentares.

VI. Demais alterações de destaque

Dentre as outras modificações que foram trazidas pelo novo normativo de FIAGRO, podemos ainda relacionar as seguintes:

  • Regime Informacional: criação de regime informacional específico para os FIAGRO, incluindo o Suplemento O (Informe Mensal), o Suplemento Q (Informe Anual), o Suplemento P (Lâmina de Informações Básicas) e a manutenção do Informe Trimestral, conforme o artigo 33, item II, do Anexo VI da Resolução CVM 175.
  • Investidor de Varejo: o público em geral segue apto a investir nos FIAGRO, observado que foram implementadas regras específicas para a oferta de cotas, como (a) proibição de aplicação em ativos inelegíveis para esse público em outras categorias de fundos, (b) restrições quanto à imposição de limitações de direitos políticos dos cotistas em classes fechadas.
  • Assembleia de Cotistas: o administrador ou gestor (prestadores de serviços essenciais) do FIAGRO podem solicitar “pedido de representação” aos cotistas. Dessa forma, os cotistas que detenham 0,5% ou mais do total de cotas emitidas podem solicitar ao administrador o envio de pedido de procuração aos demais cotistas, possibilitando a convocação de assembleias e garantindo quórum de deliberação.
  • Garantias: assim como ocorre com os FIIs, a nova norma permite que o regulamento dos FIAGRO exclusivos autorize o gestor a fornecer garantias (tais como aval ou fiança), bem como podendo estabelecer ônus reais sobre os imóveis rurais para assegurar as obrigações que os cotistas tenham assumido.

A Resolução CVM 214 representa um avanço significativo para fomentar o financiamento privado no agronegócio, um dos setores de maior relevância para a economia brasileira. Além de facilitar a captação de recursos para o desenvolvimento das cadeias produtivas do agronegócio, as alterações regulatórias promovem um ambiente mais acessível para o investidor de varejo, que passam a contar com uma estrutura consolidada e que vem sendo bastante testada nos últimos anos para permitir a participação desses investidores nesse mercado.

Com a ampliação e flexibilização das opções de investimento, a nova regulamentação de FIAGRO promove a diversificação de carteiras e fortalece a integração de critérios de sustentabilidade, acompanhando a tendência global de investimentos responsáveis. Alinhada às melhores práticas internacionais, a norma reforça o compromisso da CVM em facilitar o acesso do dinâmico e inovador agronegócio brasileiro aos recursos da poupança pública por meio de fundos de investimento estruturados e seguros, ao mesmo tempo que estabelece padrões de conduta, transparência informacional e governança que asseguram a proteção dos investidores, contribuindo para consolidar o mercado de capitais brasileiro como referência em governança, inovação e sustentabilidade no setor agroindustrial.

CGM Advogados conta com uma equipe especializada em Mercado de Capitais que está pronta e à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas ao tema.

Autores:

Luiz Rafael de Vargas Maluf – sócio da área de Mercado de Capitais
(
rafael.maluf@cgmlaw.com.br)

Luiz Gustavo Panizza Brandão Britts – advogado da área de Mercado de Capitais (gustavo.brandao@cgmlaw.com.br)

 

 

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