O caso Agrogalaxy e a cessão fiduciária de crédito, extraconcursalidade e Previsibilidade Judiciária
Por João Guilherme Monteiro Petroni, Luiz Rafael de Vargas Maluf, Henrique Fehr e André de Santis Ferraz
Recentemente causou alarde na imprensa decisão proferida pela 19ª Vara Cível e Ambiental de Goiânia, que deferiu a recuperação judicial da AGROGALAXY PARTICIPAÇÕES S.A (“AgroGalaxy”), determinando que somente os créditos de cessão fiduciária “performados” até o início da recuperação judicial seriam considerados extraconcursais, sendo que os “não performados” deveriam integrar normalmente a recuperação judicial.
Tal discussão surgiu no contexto da cessão fiduciária de recebíveis de produtores rurais, que foram dados em garantia de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) da AgroGalaxy, o que por sua vez impactou não apenas os titulares diretos desses CRAs mas também os quotistas de Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) que tinham exposição aos CRAs da Agrogalaxy. A grande desvalorização desses ativos levou a uma imediata aversão ao risco no mercado, com suspensão de emissões de outros CRAs relacionados a empresas com perfil de crédito semelhante e uma análise mais cautelosa por parte de gestores de fundos Fiagros.
A título de esclarecimento, créditos “performados” são aqueles em que a transferência de ativos (no caso, grãos), já foram transferidos da AgroGalaxy às “tradings”, só restando o pagamento. Para fundamentar esse tratamento distinto entre créditos “performados” e “não performados”, referida decisão cita julgados do Tribunal de Justiça de Goiás, bem como julgados de alguns outros tribunais estaduais nesse sentido.
No entanto, é muito importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça, que dá a última palavra sobre esse assunto, já consolidou o entendimento e é atualmente pacífico de que não há qualquer distinção no tratamento legal (art. 49, § 3º, da Lei de Recuperação Judicial) entre créditos “performados” e “não performados”, e que ambos, portanto, são “extraconcursais”. Dentre outros, é possível citar os seguintes precedentes: AgInt no AREsp 1492454/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2019, DJe 19/12/2019 e AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 1.885.016/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2022, DJe de 27/4/2022
Muito embora a decisão do Tribunal de Justiça de Goiânia provavelmente venha a ser revertida pela corte superior, logicamente tal insegurança jurídica, entre as decisões de primeira instância e os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, aumenta o prazo para a recuperação dos créditos dados em garantia, além de elevar o custo com todo o trâmite judicial, e trazendo preocupações quanto à eficácia das garantias jurídicas em operações financeiras.
Diante disso, há dois pontos importantes nessa discussão. O primeiro deles é que, independentemente da existência de decisões pontuais de primeira ou segunda instâncias dando tratamento diferente, em processos de recuperação judicial, a créditos ditos “perfomados” ou “não performados” decorrentes de cessão fiduciária – o que já ocorreu, como visto, e poderá continuar ocorrendo – fato é que o Superior Tribunal de Justiça, que dá e dará a última palavra sobre o assunto, não faz essa distinção, e considera ambos (“performados” e “não performados”) extraconcursais e não sujeitos à recuperação judicial, ratificando o que dispõe a legislação a respeito. O segundo ponto, não menos importante e que extravasa esse assunto específico, é o que já passou da hora de juízos de primeira instância e tribunais de segunda instância obedecerem e seguirem os precedentes, vinculantes ou não, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, isso para que se dê previsibilidade às decisões judiciais no Brasil, favorecendo o ambiente de investimento no país e desafogando o Judiciário de ações, recursos e pedidos que não seriam ajuizados caso houvesse a certeza de aplicação dos precedentes.
Este boletim tem propósito meramente informativo e não deve ser considerado a fim de se obter aconselhamento jurídico sobre qualquer um dos temas aqui tratados. Para informações adicionais, contate os líderes dos Times de Contencioso e Arbitragem e Mercado de Capitais.
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