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17 de setembro de 2024

Companhias de Middle Market e Startups contarão com novas dispensas para captar recursos em mercado de capitais por meio do regime FÁCIL – Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens.

Por Luiz Rafael de Vargas Maluf e Luiz Gustavo Panizza Brandão Britts

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, em 11 de setembro de 2024, o Edital de Consulta Pública SDM nº 01/24, que propõe a criação do ambiente experimental denominado Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens – “FÁCIL”. Essa proposta faz parte da Agenda Regulatória CVM 2024, em linha com as disposições trazidas nos arts. 294-A e B da Lei das S.A., e tem como objetivo simplificar e incentivar o acesso de companhias que possuam uma receita bruta anual e consolidada de até R$500 milhões ao ano (definidas como Companhias de Menor Porte – CMPs) ao mercado de capitais, oferecendo um regime mais simplificado com uma série de flexibilizações regulatórias que visam reduzir custos e burocracias.

O regime FÁCIL busca atender uma lacuna existente no mercado de capitais brasileiro, criando um ambiente regulatório intermediário entre o crowdfunding de investimentos da Resolução CVM nº 88, de 27 de abril de 2022 (voltado para empresas com faturamento bruto de até R$ 40 milhões e limite de captação de até R$ 15 milhões ao ano)([1]) e o regime tradicional de captação via oferta pública registrada sob rito ordinário ou automático da Resolução CVM nº 160, de 13 de julho de 2022, utilizado por todas as demais empresas.

Hoje, muitas empresas desses segmentos estão limitadas ao financiamento via operações tradicionais de empréstimo bancário (i.e., CCBs) ou mesmo desconhecem mecanismos diferenciados via mercado de capitais para essas captações. A instituição do regime FÁCIL é uma das iniciativas mais arrojadas da CVM que visa justamente viabilizar e democratizar a captação de recursos em mercado de capitais por empresas desse porte, com regras mais simplificadas, e permitindo um real acesso por empresas que hoje não se enquadram nem para captação via crowdfunding, e nem via regime tradicional de ofertas públicas.

Dentre os principais tópicos indicados no referido Edital de Consulta Pública, destacam-se:

FACILITAÇÃO DA CONCESSÃO DE REGISTRO DE EMISSOR

Uma das principais inovações é a possibilidade de concessão de registro de emissor de valores mobiliários de forma automática para as CMPs, dispensando o processo tradicional junto à CVM e se valendo da análise de entidades administradoras de mercados organizados (e.g., a B3), o que reduzirá custos e tornará o processo mais célere e menos burocrático.

  • Enquadramento como Companhia de Menor Porte:

Para ser classificada como CMP, a companhia deverá atender aos seguintes requisitos:

  • Receita Bruta Anual Consolidada: inferior a R$ 500 milhões, verificada com base nas demonstrações financeiras de encerramento do último exercício social (o marco temporal para essa verificação será a aprovação das demonstrações financeiras em assembleia geral ordinária);
  • Listagem em Mercado Organizado: estar listada em mercado organizado de valores mobiliários (g., na B3);
  • Estágio Operacional: encontrar-se em operação; e
  • Anuência dos Investidores (apenas emissores já registrados e com valores mobiliários em circulação): obter anuência prévia dos titulares de valores mobiliários em circulação para o enquadramento como CMP (uma vez que isso poderia trazer redução das obrigações informacionais atualmente assumidas com esses investidores).

Essa classificação não se confunde com as atuais categorias de registro (“A” – emissão de ações e demais valores mobiliários – e “B” – emissão de títulos de dívida) previstas na Resolução CVM nº 80, de 29 de março 2022, uma vez que a CVM manterá tal segmentação, mas incluindo a classificação CMP, caso o emissor se enquadre como tal (i.e., a companhia poderá ter o registro de emissor na CVM como categoria A – CMP, ou categoria B – CMP). As companhias que já tenham registro de emissor perante a CVM poderão optar pela mudança de classificação, caso atendam aos requisitos como companhia de menor porte.

  • Perda da Classificação CMP:

O emissor poderá perder a classificação de CMP nas seguintes situações:

  • por solicitação e iniciativa própria;
  • caso a receita bruta anual consolidada ultrapasse R$ 500 milhões (se tal situação for vislumbrada apenas no último dia do exercício social, o emissor terá o período até a realização da Assembleia Geral Ordinária seguinte para se adequar às novas obrigações);
  • deslistagem do mercado organizado; ou
  • não realização de oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos 24 meses seguintes à classificação como CMP, quando obtida concomitantemente com o registro de emissor.

Nesses casos, o emissor deverá atualizar seu formulário cadastral e iniciar o cumprimento pleno das obrigações regulatórias aplicáveis em até 60 dias a contar da notificação enviada pela CVM, exceto se nesse período demonstrar que não subsistem os motivos que o levariam a deixar de ser classificado como CMP.

SIMPLIFICAÇÃO DE OBRIGAÇÕES REGULATÓRIAS

Para incentivar a entrada de CMPs ao mercado de capitais, o regime FÁCIL flexibiliza uma série de obrigações regulatórias atualmente impostas a todas as companhias abertas, permitindo maior adaptabilidade às companhias de menor porte.

  • Formulário FÁCIL:

As empresas enquadradas como CMPs poderão substituir o formulário de referência, o prospecto e a lâmina de ofertas públicas (usualmente documentos extensos e com maior grau informacional) por um único documento simplificado denominado Formulário FÁCIL, o qual deverá ser apresentado anualmente ou por ocasião de ofertas públicas.

  • Informações Financeiras:

Ao invés da divulgação trimestral de informações financeiras, atualmente aplicável às companhias com registro de emissor perante a CVM, o emissor que se enquadre como CMP poderá realizar a divulgação semestralmente dessas informações por meio do Formulário de Informações Semestrais (ISEM).

  • Escrituração de Valores Mobiliários:

As entidades administradoras de mercado organizado poderão atuar como escrituradoras dos valores mobiliários das respectivas CMPs que estejam ali listadas.

  • Flexibilização nas Regras de OPA:

Caso o emissor queira cancelar o seu registro perante a CVM e possua ações em circulação, deverá realizar uma oferta pública de aquisição de ações e obter aprovação por metade das ações em circulação (em substituição aos atuais 2/3 exigidos pela Resolução CVM nº 85). Além disso, (i) estará dispensado da contratação de instituição financeira responsável pela garantia de liquidação da OPA, caso a entidade administradora de mercado organizado garanta a liquidação, e (ii) o laudo de avaliação poderá ser produzido por avaliadores credenciados pela entidade administradora de mercado organizado.

  • Dispensas:

O emissor enquadrado como CMP estará dispensado também das seguintes obrigações:

  • adoção de política de divulgação de ato ou fato relevante;
  • adoção de políticas de negociação de ações e de divulgação de informações;
  • distribuição dos dividendos obrigatórios previstos no art. 202 da Lei das S.As., desde que não haja disposição em contrário em estatuto social;
  • inserção e manutenção de informações em sua página na rede mundial de computadores;
  • divulgação mensal sobre a titularidade e negociação com ações de sua emissão;
  • envio à CVM de sumário das decisões tomadas em assembleias; e
  • envio à CVM do informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas.

OFERTAS PÚBLICAS DIRETAS

Uma das principais inovações do regime FÁCIL é a introdução da “Oferta Direta”, que permite às CMPs realizarem ofertas públicas de valores mobiliários sem a intermediação obrigatória de uma instituição financeira atuando como coordenador líder da oferta, tornando o processo de emissão de valores no mercado de capitais menos oneroso.

  • Limite de Captação:

A Oferta Direta permite a oferta de ações e títulos de dívida sem restrição de público-alvo, porém limitada a R$ 300 milhões por cada período de 12 meses, garantindo que as CMPs possam captar recursos em mercado de capitais sem as mesmas exigências usualmente aplicáveis para as ofertas sob regime tradicional.

  • Principais Características da Oferta Direta:
  • Procedimento Especial: a oferta direta ocorrerá por meio de procedimento especial cujas regras operacionais serão definidas pela entidade administradora de mercado organizado, onde serão coletadas ofertas de compra transmitidas por intermediários em nome dos investidores;
  • Alocação Objetiva: limitação da discricionariedade na alocação dos valores mobiliários, seguindo critérios preestabelecidos;
  • Vedação à Participação de Pessoas Vinculadas: proibição de participação de pessoas vinculadas na oferta direta;
  • Transparência: disseminação uniforme de informações sobre a demanda pelos valores mobiliários ofertados;
  • Direito de Revogação: possibilidade de investidores revogarem suas compras com até 24 horas antes do término do procedimento especial;
  • Análise Prévia: a documentação da oferta será objeto de análise prévia pela entidade administradora de mercado organizado;
  • Divulgação de Informações: a página da entidade administradora deverá apresentar o Formulário FÁCIL, documentos de suporte e atualizações, além de informações sobre o sucesso ou insucesso da oferta após seu encerramento (incluindo número de investidores participantes, preço ou taxa, e o montante captado); e
  • Período de Silêncio: disposições similares àquelas já aplicáveis pela Resolução CVM 160, mas com maior flexibilização e clareza ao mesmo tempo que mantém os mecanismos necessários para mitigação de riscos pela disseminação não homogênea de informações ao mercado.

CONCLUSÃO

A implementação do regime FÁCIL não fragiliza os atuais instrumentos de governança adotado pelas companhias, mas é trazido pelo regulador como um incentivo ao ingresso no mercado de capitais por meio da simplificação de processos, e uma forma de facilitar o acesso ao capital por outros mecanismos, o que tende a aumentar a competitividade e reduzir o spread cobrado para captação de recursos.

O regime FÁCIL será lançado em caráter experimental, com a intenção de ser avaliado e ajustado conforme os resultados forem observados. Não há indicação quanto ao tempo em que esse novo regime será mantido, pois isso dependerá do ingresso de novos emissores e a realização de novas ofertas públicas nessa modalidade. Contudo, sendo um regime que será adotado em caráter experimental, a CVM poderá, ao final desse período, incorporar o regime FÁCIL de forma definitiva ao arcabouço regulatório de mercado de capitais, adaptá-lo diante das experiências e manifestações dos participantes, ou mesmo revogá-lo.

A minuta com a proposta de regulamentação para o regime FÁCIL encontra-se em processo de consulta pública e aberta para comentários de todos os participantes do mercado, os quais poderão enviar à CVM suas manifestações ou sugestões até o dia 06 de dezembro de 2024, por meio do endereço eletrônico conpublicaSDM0124@cvm.gov.br.

O CGM Advogados conta com uma equipe especializada em Mercado de Capitais e irá enviar contribuições à CVM no contexto dessa consulta pública. Caso tenha interesse em participar, nosso time estará pronto para auxiliar na elaboração e envio de contribuições, e à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas, reunindo as considerações dos nossos clientes e assegurando um processo de participação mais eficiente e estruturado.

Autores:

Luiz Rafael de Vargas Maluf – sócio da área de Mercado de Capitais
(
rafael.maluf@cgmlaw.com.br)

Luiz Gustavo Panizza Brandão Britts – advogado da área de Mercado de Capitais (gustavo.brandao@cgmlaw.com.br)

([1]) Sobre o crowdfunding regulado pela Resolução CVM 88, recomendamos a leitura do recente artigo de nosso escritório intitulado “Crowdfunding Imobiliário como Alternativa para Captação de Recursos”, que pode ser acessado pelo link: https://www.cgmlaw.com.br/crowdfunding-imobiliario-como-alternativa-para-captacao-de-recursos/

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